quinta-feira, 24 de abril de 2014

Opositores formam coalizão na Argentina

Objetivo é apresentar uma candidatura única à Presidência do país no ano que vem
DE BUENOS AIRES
Parte da fragmentada oposição argentina decidiu se unir de olho nas eleições presidenciais de 2015.
A UCR (União Cívica Radical) e o Partido Socialista, junto com outras legendas e a já existente coligação Unem (Coalizão Cívica e Projeto Sul, entre outros), criaram uma grande coalizão, a Frente Ampla-Unem.
Cinco políticos que já se declararam no páreo para a sucessão de Cristina Kirchner integram a aliança. São eles: a deputada Elisa Carrió (Coalizão Cívica), os senadores Fernando Pino Solanas (Projeto Sul) e Ernesto Sanz (UCR) e os ex-governadores e atualmente deputados Hermes Binner (Partido Socialista) e Julio Cobos (UCR).
Na última pesquisa eleitoral, divulgada no dia 13, Binner aparece com 9% das intenções de voto; Cobos, com 8%, e Carrió, com 6%.
Em primeiro lugar, com 25%, está o dissidente governista Sergio Massa (Frente Renovadora); em segundo, Daniel Scioli, aliado da presidente (21%), e em terceiro Mauricio Macri (PRO), prefeito de Buenos Aires, com 16%.
No lançamento da Frente Ampla, anteontem à noite, em Buenos Aires, foi apresentado um documento no qual a aliança promete dialogar, respeitar as regras do jogo democrático e não roubar.
A aliança também prometeu que a escolha do candidato à Casa Rosada será por meio de eleições primárias.
"Nós, partidos e dirigentes que subscrevemos este documento, manifestamos nossa forte vontade de fazer uma coalizão nacional que brinde à Argentina uma alternativa de governo", diz o texto.
Uma das apostas da coalizão é que a sociedade argentina está cansada do peronismo no poder, depois de um mandato de Néstor Kirchner e de dois de Cristina.
Fundado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974), o peronismo é um movimento político populista que se apoia, entre outros pontos, no sindicalismo, na intervenção estatal na economia e nos slogans que defendem justiça social. Uma de suas principais características é a figura de um líder.
"Não acredito que a sociedade argentina esteja envolvida nessa disputa de peronistas e antiperonistas. Essa não é a preocupação. As pessoas querem saber é qual político pode ou não solucionar os problemas do país", disse à Folha o analista político Hugo Haime.
Para Haime, era natural a união da centro-esquerda e foi "inteligente" a criação da Frente Ampla-Unem. "Mas há um problema: para algum dos candidatos deles conseguir crescer é preciso que Massa ou Macri percam votos, e são dois candidatos muito fortes."
A Frente Ampla não descarta uma aliança com Macri, que além de prefeito de Buenos Aires é criador do PRO (Proposta Republicana) e ex-presidente do popular clube de futebol Boca Juniors. Mas, até agora, ele não demonstrou interesse.
"Se Macri se somar a essa coalizão, ela também poderá perder votos, já que muitos eleitores não querem votar na direita", avalia Haime. (LM). Folha, 24.04.2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

CLÓVIS ROSSI: A selvageria como regra

O Brasil e a América Latina caminham para a completa perda das regras de convivência civilizada
Dias atrás, meu genro, distraído, esqueceu aberto o portão da garagem. O vizinho da frente me ligou para avisar (moro pertinho e, portanto, podia tomar as providências necessárias para não deixar a casa desguarnecida).
O que há nesse episódio banal e nessa atitude normal que se tornam dignos de menção? Simples: o Brasil está perdendo crescentemente a capacidade de, sem coerção, conviver civilizadamente com a vida e a propriedade alheias.
O caso da Bahia, durante e depois da greve dos policiais militares, é apenas o mais recente exemplo da selvageria que se foi instalando pouco a pouco no país. Durante a greve, decuplicou o número de homicídios, passando de já insuportáveis cinco diários para 52.
Qual a leitura a fazer? As pessoas deixam de matar não porque é errado fazê-lo do ponto de vista da moral e da lei, mas porque há o risco de serem apanhados pela polícia, se e quando ela está em plena atividade. Some a polícia da rua e a criminalidade dispara imediatamente, o que não é exclusividade da Bahia, como já se viu em anteriores episódios de paralisação policial.
Aliás, até quando a polícia está nas ruas, o desrespeito a regras primárias de convivência é absurdo, abusivo.
Virou moda, por exemplo, queimar ônibus por qualquer pretexto e até na falta deles. Pouco importa que os prejudicados não sejam policiais ou autoridades, mas os usuários do transporte coletivo, inexoravelmente privados de veículos que já circulam precariamente quando não há a queima.
O vizinho de minha filha não precisou da presença da polícia no quarteirão para agir civilizadamente. Mas, se a moda do desrespeito continuar se espraiando, chegará o dia em que alguém como ele, vendo o portão aberto e sem polícia perto, invadirá a casa e levará o que puder.
Em grau muito mais grave, foi o que se fez na Bahia durante a greve. O portão estava aberto, não havia polícia, então saiamos para matar, deve ter pensado um pedaço marginal da população.
O diabo é que esse pedaço, no país todo, na América Latina toda, está aumentando. Países latino-americanos ocupam os primeiros cinco lugares no ranking mundial de homicídios, segundo a ONU. Pela ordem: Honduras, Venezuela, Belize, El Salvador e Guatemala.
A Argentina, com um dos mais baixos índices de homicídios, conhece uma onda de linchamentos, que não passa da perda do freio moral e da convivência civilizada.
No Rio de Janeiro, números do Ins­ti­tu­to de Se­gu­rança Pú­bli­ca citados ontem por "El País" são inacreditáveis: nos últimos oito anos, foram 43.165 mortes violentas, o que dá 500 ao mês, justamente no período em que se disseminaram as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Sem contar os mais de 38 mil des­apa­re­ci­dos nem as mais de 31 mil ten­ta­ti­vas de ho­mi­cídio.
Se esses números se dão em uma época supostamente pacificadora, tremo de medo de imaginar como seriam em outros momentos. O país e o subcontinente vivem a era da selvageria, e as autoridades parecem impotentes. Ou incompetentes?crossi@uol.com.br
Folha, 22.04.2014.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Caos, chavismo e uma telenovela

Caracas, Venezuela
Como escritor em Caracas nestes tempos caóticos, vivo em dois mundos diferentes. Durante o dia, escrevo roteiros para uma telenovela, uma coprodução mexicano-venezuelana para a Telemundo. À noite, redijo comentários políticos, principalmente para o "Tal Cual", um dos poucos jornais oposicionistas que restaram na Venezuela. Levei 30 anos para compreender que as telenovelas são uma metáfora dramatizada do populismo latino-americano. Essas atrações lidam não tanto com o amor não correspondido, e mais com mitos de redenção social tão imortais quanto o de Evita Perón.
O tema mais frequente prescreve a redistribuição de riqueza entre os pobres, com pouca consideração sobre como essa riqueza é criada, o que explica muito sobre a história recente da Venezuela e seu estilo peculiar de socialismo, conhecido como chavismo. Muitos populistas demagógicos latino-americanos propagaram desde 1930 essas "soluções" inspiradas em Robin Hood para a pobreza e as injustiças.
Eu queria escrever uma história diferente, a história de uma moça, uma empreendedora, que ascende da pobreza para a prosperidade por meio da inovação, da astúcia, de um pouco de capital inicial e de muito esforço. O fato de a América Latina abrigar 17% das start-ups do mundo tornou a ideia palatável para os produtores.
No início de janeiro, nossa produção se cruzou com uma tragédia verdadeira. Mónica Spear, 29, atriz e modelo que era a candidata mais cotada para o papel principal, de Nora, e seu marido, um britânico, foram mortos a tiros em um trecho ermo de uma rodovia litorânea. Foi o tipo de assassinato chocante que normalmente nem é noticiado em um dos países com mais homicídios na Terra, mas desta vez a imprensa não poderia ignorar uma vítima que era uma ex-miss Venezuela, baleada diante da filha de cinco anos, que ficou ferida na perna, mas sobreviveu.
Nas gravações de "Nora", México, Colômbia e Venezuela, três países infestados pela violência endêmica, estão representados no elenco e na equipe de produção. Durante um intervalo, escutei uma espirituosa atriz mexicana parafraseando a frase de abertura de "Anna Karenina", de Leon Tolstói: "Todos os países pacíficos são iguais, mas cada país latino-americano violento é violento à sua maneira". Na Venezuela, a violência é provocada por gangues que eram, originalmente, organizadas ao redor de pequenos pontos do tráfico de drogas nas favelas. Um desses bandos assassinou Mónica Spear.
Muitas dessas gangues foram cooptadas pelo governo chavista e receberam um nome inócuo: coletivos, uma palavra enganosa com subtexto progressista de solidariedade comunitária.
Na realidade, os coletivos são agora temidas forças paramilitares que, usando motocicletas, perseguem manifestantes de rua e são responsáveis por muitas das mortes durante os recentes protestos. Essa violência parece distante dos luminosos estúdios com ar-condicionado onde nossa novela é produzida, mas a escassez de produtos essenciais, inexplicável em um opulento petroestado, afeta a todos nós.
De vez em quando, a gravação é interrompida porque um membro do elenco ou da produção recebeu uma mensagem de texto avisando que algumas mercadorias estão disponíveis em um supermercado das imediações. O estúdio se esvazia antes que o estoque racionado de óleo de cozinha, papel higiênico, leite ou farinha de milho acabe.
Muitos atores venezuelanos de novela também têm um trabalho extra à noite no teatro, mas os sequestros e assaltos desenfreados provocaram um toque de recolher melancólico, autoimposto, na vida noturna de Caracas, limitando aquilo que os atores podem fazer fora do estúdio.
Num momento em que grandes teatros começam a fechar as portas, alguns atores decidiram ler seus papéis em praças públicas. As falas provêm de "Jazmines en el Lídice", premiada peça de Karin Valecillos, uma das autoras de "Nora". Ela fundamentou a obra nos depoimentos de 44 mães venezuelanas que perderam filhos para a violência dos criminosos.
Escrevo um artigo opinativo semanalmente para o "Tal Cual", corajoso tabloide que Teodoro Petkoff fundou em 2000, no começo da era Chávez. Petkoff, 82, é um ex-comandante guerrilheiro venezuelano que repetidamente escapou de modo espetacular de prisões nos anos 1960 e, por fim, deixou o Partido Comunista para escrever denúncias vigorosas da ocupação soviética da Tchecolováquia e do stalinismo.
Petkoff, que tem ascendência búlgara, se tornou um ícone para revisionistas marxistas latino-americanos quando ele e um pequeno grupo de ex-jovens comunistas fundaram um novo partido em 1971. Seu ativismo político terminou quase 30 anos depois, quando deixou o partido em protesto contra a decisão de designar Hugo Chávez como seu candidato na eleição presidencial de 1998. Ele, então, iniciou uma nova carreira -aos 68 anos- como editor fundador do "Tal Cual".
Apesar de sua pequena circulação, o "Tal Cual" rapidamente se tornou o mais influente jornal opinativo da Venezuela. Divulga o estilo pessoal de textos social-democratas e centro-esquerdistas de Petkoff, bem como vozes mais conservadoras da oposição democrata. Petkoff combate incansavelmente o regime de Chávez e de seu sucessor.
Em decorrência da última escaramuça, ele pode pegar quatro anos de prisão e multas de milhões de dólares se for considerado culpado numa ação por difamação movida por Diosdado Cabello, o segundo homem mais poderoso da Venezuela.
Petkoff admitiu em um editorial que o "Tal Cual" repetiu um erro veiculado por um site noticioso, mas Cabello não ficou satisfeito e levou o caso adiante.
É inspirador observar o confronto do velho com Cabello. Ele já se prepara para colocar seu conteúdo na web caso o governo cumpra suas ameaças de silenciar o "Tal Cual" cortando seu suprimento de papel. "Passaremos a sair on-line", disse ele à equipe da redação. Em uma recente entrevista de rádio, ele disse: "Não rompi com o comunismo no século passado para terminar endossando qualquer outra forma de tirania neste."
Enquanto escrevo isto, posso ouvir a rotina noturna das cápsulas de gás lacrimogêneo e dos projéteis de chumbo atirados pelas forças antidistúrbios no bairro de Chacao, perto daqui. Tudo acontece na escuridão, quando a Guarda Nacional invariavelmente impõe um blecaute ao reduto dos manifestantes jovens e inflamados, antes do avanço dos tanques blindados.
Eu me pergunto como Nora se sairia como empreendedora na Venezuela real, um país que está em 175° lugar no índice de liberdade econômica, um indicador internacional, acima apenas da Coreia do Norte, de Cuba e do Zimbábue. Minha aposta é que ela iria para as ruas e se juntaria aos manifestantes.
Ibsen Martínez é dramaturgo e romancista. Seu último livro é "Simpatía por King Kong".
Envie comentários para intelligence@nytimes.com
NYT, 08.04.2013

quarta-feira, 26 de março de 2014

Venezuela prende três generais por 'golpe': Segundo governo, detidos pretendiam derrubar presidente Maduro; não foram dados detalhes da suposta trama

Deputada oposicionista María Corina Machado, que foi cassada de forma sumária, diz que volta hoje ao país
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou ontem que foram detidos três generais da Força Aérea que, segundo ele, pretendiam colocar os militares contra o governo para realizar um golpe de Estado. Maduro disse que os três foram colocados à disposição dos tribunais militares. "Ontem [anteontem] à noite capturamos três generais que estávamos investigando graças à poderosa moral da nossa Força Armada Nacional Bolivariana. São três generais que pretendiam levantar a Força Aérea contra o governo", disse o presidente. Maduro acrescentou que a descoberta da tentativa de golpe foi possível devido à "consciência dos oficiais, os mais jovens, generais, tenentes-coronéis, que vieram alarmados denunciar que eles estavam sendo convocados para realizar um golpe de Estado no país".
Segundo o presidente, o grupo capturado tem vínculos diretos com setores da oposição e dizia que esta semana seria "decisiva" para o seu suposto intento.
Maduro deu a informação durante a reunião com chanceleres da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) no Palácio Miraflores, sede do governo venezuelano.
O encontro foi convocado para discutir a situação no país, que enfrenta protestos contra o governo. A identidade dos generais detidos não foi divulgada.
Não é a primeira vez que o governo acusa a oposição de tramar um novo golpe, a exemplo do que tentou promover contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002.
Nas últimas semanas, no entanto, o cerco a lideranças opositoras vem aumentando.
Ontem, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), após uma audiência que durou mais de seis horas, destituiu o prefeito de San Cristóbal, Daniel Ceballos, do cargo e o condenou a 12 meses de prisão.
Ele foi condenado por não ter cumprido ordens judiciais para atuar contra barricadas de estudantes e opositores que protestavam contra o governo. Para o advogado de Ceballos, Enrique Falcón, a decisão era previsível. Anteontem, a deputada María Corina Machado foi cassada sumariamente pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, por ter aceitado convite do Panamá para falar sobre a situação da Venezuela numa sessão da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Sem a presença de quase todos os parlamentares de oposição, a destituição foi ratificada pela assembleia. Mais tarde, oposicionistas apresentaram um recurso ao TSJ para reverter a decisão.Corina disse em Lima (Peru) que não teme ser presa. "Amanhã [hoje] regressarei a meu país, porque sou deputada e, como tal, voltarei para seguir lutando nas ruas da Venezuela, sem descanso, até que conquistemos a democracia e a liberdade."

Chanceleres da Unasul encontram comissão
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Em reunião com chanceleres da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) para discutir a crise na Venezuela, representantes da oposição criticaram o controle do Executivo sobre a Assembleia Nacional e reclamaram da falta de renovação entre os quadros de poder.
Já o governo, que também estava no encontro, responsabilizou a oposição pela violência nos protestos no país que já deixaram 35 mortos.
Segundo fonte da Efe presente na reunião, que durou mais de três horas, os chanceleres da Unasul tiveram a oportunidade de escutar diferentes opiniões sobre o momento político venezuelano.
No entanto, nenhum dos principais opositores do país, como Henrique Capriles,participou do evento.
APAGÃO
Dois incêndios no Cerro del Avila, montanha que separa Caracas da costa do Caribe, deixaram sem eletricidade setores do centro da capital venezuelana na manhã de ontem, segundo informou o Ministério de Energia Elétrica.
O ministro da pasta não descartou que os incêndios tenham sido causados por ação criminosa. "A forma como ocorreu este fato nos faz supor que foi algo provocado", declarou Jesse Chacón.
A falta de energia afetou a reunião dos chanceleres da Unasul. O encontro teve início às escuras e os ministros das Relações Exteriores e representantes dos 12 países que formam o bloco tiveram de subir de escada três andares no hotel Meliá, onde acontece o encontro.
Folha, 26.03.2014

terça-feira, 11 de março de 2014

Bolívia vira nova 'queridinha' do FMI

Por WILLIAM NEUMAN
LA PAZ, Bolívia - À sombra de seus vizinhos mais populosos e prósperos, a pequena e pobre Bolívia, outrora um caos econômico perene, tornou-se uma exceção à regra -desta vez, no bom sentido.
Sua economia cresceu 6,5% no ano passado, um dos índices mais fortes na região. A inflação foi mantida sob controle. O Orçamento está equilibrado, e a dívida do governo, até então incapacitante, foi reduzida.
Além disso, o país tem um fundo de reserva em moeda estrangeira tão grande -para o tamanho de sua economia- que pode ser invejado por quase qualquer outro no mundo.
"De certa forma, a Bolívia tem sido um caso atípico", disse Ana Corbacho, chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) no país. "A tendência geral é uma previsão de menos crescimento, exceto para a Bolívia."
A Bolívia tomou um caminho improvável para se tornar a "queridinha" de instituições financeiras internacionais como o FMI. Seu presidente, o socialista Evo Morales, critica frequentemente o capitalismo e alguns de seus defensores mais ardentes, como as grandes corporações, o FMI e o Banco Mundial. Ele nacionalizou o setor de petróleo e gás após tomar posse em 2006 e desapropriou mais de 20 empresas privadas.
Recentemente, o FMI e o Banco Mundial elogiaram o que chamam de políticas macroeconômicas "prudentes" de Morales.
Embora Morales continue firmemente no lado esquerdista da América Latina, em muitas questões econômicas ele se encaixa em uma tendência mais ampla que se distancia da rigidez ideológica da região.
Em um passado não muito distante, a Bolívia era um ponto focal de instabilidade política e econômica. E embora ainda seja o país mais pobre da América do Sul, muita coisa mudou.
O crescimento econômico no ano passado foi o mais forte em três décadas, segundo o FMI, e veio a reboque de vários anos de crescimento saudável. O segmento da população que vive na extrema pobreza caiu de 38% em 2005 para 24% em 2011.
Ainda há muita miséria, mas a transformação econômica é bastante visível, seja em florescentes mercados urbanos ou nos novos tratores que substituem os animais nas lidas agrícolas.
Em El Alto, cidade de trabalhadores empoleirada sobre a capital, os novos-ricos ostentam seu êxito em mansões de cores vivas. Outra novidade: a proliferação de padarias que vendem bolos elaborados, um sinal de que até os mais pobres têm dinheiro extra para gastar.
Um dos fatos mais surpreendentes é a maneira como a Bolívia acumulou moeda estrangeira, constituindo um fundo para emergências de cerca de US$ 14 bilhões, equivalente a mais da metade de seu PIB ou a 17 meses de importações, o que pode ajudá-la a enfrentar tempos de dificuldades econômicas.
Morales se beneficiou de ser presidente em uma época de preços altos das matérias-primas, que conduziram o crescimento econômico daqui e de muitos países da região.
Em uma medida altamente polêmica, ele nacionalizou o setor de energia, assumindo maior participação nas empresas que extraem gás no país e exigindo uma parcela maior dos rendimentos. Isto aumentou significativamente a receita do governo, dando-lhe o dinheiro para arcar com programas sociais como ajuda a jovens mães, melhores aposentadorias e projetos de infraestrutura.
Em geral, Morales ganha boas notas pela maneira como tem lidado com os ganhos inesperados, mas há preocupações. Tanto o FMI quanto o Banco Mundial afirmam que é preciso fazer muito mais para estimular investimentos privados.
Certa vez, Morales disse que o Banco Mundial tentou chantageá-lo para mudar suas políticas econômicas.
Em um discurso em dezembro de 2012, ele pediu o desmantelamento do "sistema financeiro internacional e seus satélites, o FMI e o Banco Mundial".
No entanto, sua atitude em relação ao banco parece ter mudado em julho, em um evento para anunciar um projeto do Banco Mundial destinado a apoiar os produtores de quinoa.
"O Banco Mundial não mais chantageia nem impõe condições", disse Morales, segundo uma publicação no site do banco. Para comemorar, ele participou de uma partida amistosa de futebol com o presidente do banco, Jim Yong Kim.
Colaborou Monica Machicao
NYT, 11.03.2014
www.abraao.com

A lenta transição de Cuba

ENSAIO - DAMIEN CAVE
País atenua restrições ao comércio e repensa projeto de igualdade
HAVANA - Talvez fosse por causa do clipe de Robin Thicke nas TVs de tela plana ou da imagem da ponte do Brooklyn se espalhando sobre a área VIP. Ou talvez fosse apenas por causa do nome da boate: Sangri-LA. O fato é que, enquanto tomava meu rum de US$ 4, eu só sabia que esta não era a Cuba da revolução de Fidel Castro, em 1959.
Nem era a Cuba que eu visitei pela primeira vez no final da década de 1990 com a minha mulher, que é cubano-americana. Lá havia uma escassez opressiva. Quase todos que encontrávamos nos pediam alguma coisa -sabonete, dinheiro e até os tênis nos nossos pés.
A Cuba que encontrei numa visita recente parecia um país às voltas com suas vontades e sobressaltada em sua avidez de alcançar o resto do mundo -algo simbolizado por esta boate pequena, mas chamativa, que pertence a um particular e funciona no porão de uma mansão no bairro de Miramar.
A estratificação que emergiu após o colapso soviético, quando cubanos com empregos no turismo ou parentes no exterior sobrepujavam seus compatriotas, parecia estar se acelerando, e, embora a desigualdade não seja nem parecida com a verificada nos EUA ou na Cuba pré-Castro, eu me perguntava o que os cubanos estavam achando da nova dinâmica de "ter"/"não ter" que surgia entre as fissuras do comunismo.
Quando pedi a opinião de um sujeito ao meu lado -um jovem com descolados óculos escuros- sobre as mudanças em Cuba, ele disse: "Não estou dizendo uma palavra".
Então fui a outro lugar atrás de conversa -e de indicadores. O caso de amor de Cuba com os filme americanos de gângster, na década de 1930, prenunciava a violência dos "pistoleros" que passou a identificar Havana nos anos 1950. Após o triunfo de Fidel Castro e seus guerrilheiros, fardas verdes entraram na moda, assim como a chegada da ajuda russa nos anos 1960 levou a símbolos russos de status -especialmente os sedãs Lada azul-marinho.
Hoje em dia, enquanto Raúl Castro gradualmente tenta modernizar a economia com uma pitada de iniciativa privada, a maré dos gostos mudou. Por toda Havana, os símbolos governamentais estão em baixa. Novos desejos estão chegando.
Os adolescentes que descem correndo de patins pelo Paseo del Prado, a ampla alameda que divide a turística Havana Velha da Havana Central, não prestavam atenção aos pálidos turistas que passavam. Há mais ou menos uma década, eu não teria podido caminhar mais do que alguns metros sem ser acossado por rapazes tentando me vender charutos, uma prostituta ou uma refeição. Mas agora, exceto por uma ou duas solicitações vadias, ninguém parecia se importar. A energia dos jovens estava mais voltada para outros lugares.
No Malecón, a avenida à beira-mar da capital, os celulares repentinamente se tornaram comuns. Em 2008, Raúl Castro ofereceu aos cubanos comuns o direito de possuí-los, e seu uso disparou. Até certo ponto. Quando topei com Jenifer García, 15, e Ángel Luis, 21, deitados na amurada, eles estavam usando o celular para ouvir música. Luis disse que havia pagado US$ 80 por aquele velho BlackBerry Torch com tela rachada, trazido para Cuba por um amigo que foi a Nova York.
Mas não vi muitos celulares nas partes mais pobres da Havana Central. O que vi foram homens puxando majestosas portas coloniais de madeira para fora de um velho edifício. Eles estavam transportando as últimas marcas da antiga beleza do bairro para um restaurante em outra parte.
A alguns minutos de carro para oeste, no Vedado, um bairro residencial mais agradável, fica uma das mais notáveis casas antigas de Havana. Avermelhada e degradada no exterior, pertenceu a uma família rica e de gosto excêntrico. Agora, lá vivem 14 famílias, cerca de 50 pessoas amontoadas. Duas portas adiante há uma ampla casa colonial recém-pintada de amarelo. Os proprietários, que herdaram o imóvel, contaram que alugam seus quartos para turistas.
Perguntei a Aida Pupo, 45, encolhida em um canto da mansão avermelhada, se a riqueza dos seus vizinhos não a incomodava. Ela disse que mora com pessoas de três gerações da sua família. Mas não se importa. "Tem gente com muito, tem gente com nada", disse. "É apenas um sinal dos tempos." Ela acha improvável que a disparidade de renda algum dia volte a ser tão ruim quanto era antes da revolução, porque o governo não permitiria, disse.
Membros da elite revolucionária estão claramente se beneficiando, com investimentos em restaurantes e casas. Os novos-ricos também estão pelo menos um pouco satisfeitos. O mais surpreendente é descobrir que aqueles que estão mais para baixo estão focando o lado positivo. Como me disse um acadêmico cubano, "eles têm aspirações que nunca costumaram ter".
Os que estão mais para cima, no entanto, não gostam de falar em como chegaram lá. A vizinha de Pupo me ofereceu café, mas se recusou a ser entrevistada.
Num prédio do mesmo quarteirão, um jovem ativista disse que os beneficiados estão apenas tentando proteger o que possuem. "Estamos em uma transição, mas não para a democracia", afirmou, observando que o governo se tornou apenas ligeiramente menos restritivo. "É uma transição do totalitarismo para o autoritarismo."
Em Miramar, subúrbio onde fica a maioria das embaixadas, parei numa revenda de carros usados. Um Volkswagen Passat 2010 por US$ 67,5 mil? Um Toyota Corolla 2006 por US$ 40 mil?
Uma nova lei que autoriza os cubanos a comprarem carros havia entrado em vigor semanas antes. Os cubanos ficaram animados, até verem o preço. O governo disse que os carros foram fortemente tributados para redistribuir o dinheiro dos ricos. A resposta de Cuba à desigualdade é desconjuntada em parte porque o país está às voltas com o tipo de igualdade que realmente deseja.
"A igualdade de oportunidades está na verdade se ampliando hoje em Cuba, mas os cubanos, na revolução, não falavam em igualdade de oportunidades", disse Richard Feinberg, professor de assuntos internacionais da Universidade da Califórnia, San Diego. "Eles falavam em igualdade de resultados, que as pessoas deveriam ter mais ou menos a mesma renda e o mesmo padrão de vida. Essa igualdade de resultados está sendo solapada."
Serão esses jovens com patins e celulares um sinal da igualdade que Cuba deseja, ou não? Os líderes não oferecem muita clareza.
Muitos cubanos mais velhos parecem perplexos. Em Miramar, uma artista de 90 anos me contou que todos os moradores do seu quarteirão foram embora nos últimos dois anos. A casa do seu vizinho está vazia porque a família se mudou para o exterior. Outra estava sendo reformada, e uma gente nova estava se mudando para o outro lado da rua. "É tudo tão" -franziu o nariz- "instável".
Isso parece refletir o sentimento de muitos cubanos hoje em dia. E, no entanto, Cuba ainda é Cuba. No Sangri-LA, junto com sinais de aumento da demanda por tudo o que for novo e reluzente, havia tantos gritos, abraços e fofocas quanto eu havia visto em incontáveis estabelecimentos estatais.
Os baladeiros não tentavam substituir a Cuba que conheciam. O mural da ponte do Brooklyn não queria dizer que eles desejam que Havana vire Nova York, e os clipes de Cristina Aguilera eram apenas uma distração.
Foi só quando o DJ passou a tocar salsa moderna -depois da 1h- que todos começaram a dançar. É claro que é um clichê enxergar Cuba apenas por intermédio da música, mas era mais do que isso. Como disse José Martí, escritor: "Tenho duas pátrias: Cuba e a noite. Ou são as duas uma só?".
NYT, 11.03.2014


Colômbia: Paz ganha uma batalha, no sufoco

CLÓVIS ROSSI
Legislativas na Colômbia favorecem partidários do processo de pacificação, mas dão voz a Uribe, crítico feroz
A eleição legislativa de domingo na Colômbia tinha uma importância muito superior à que normalmente se atribui a pleitos para o Congresso. Estava em jogo o apoio, maior ou menor, às negociações de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que se desenrolam até agora em Havana, Cuba, com relativo êxito.
Resultado: a paz ganhou, mas com um certo sufoco, o que se refletirá nas discussões especialmente no Senado, já que cabe ao Congresso aprovar ou não o acordo a que eventualmente chegarem o governo e os guerrilheiros.
O presidente Juan Manuel Santos, que lançou o processo negociador e é candidato à reeleição, em maio, viu seu partido (La U) ficar em primeiro lugar, com 21 senadores, dois a mais que seu antecessor, Álvaro Uribe, crítico feroz das negociações de paz.
No total, os partidos da coligação governista devem ter dois terços das cadeiras, maioria ainda confortável. Além disso, partidos de oposição, como o esquerdista Polo e os Verdes, também apoiam o processo de paz, o que eleva a maioria a ele favorável a uns 80% do Senado.
Antes da eleição, o sociólogo Alfredo Molano já dizia ao jornal "El Espectador": "Se se quer chegar à paz com as Farc, se necessita um Parlamento disposto a ela".
Foi o que se conseguiu na eleição, pelo menos na visão de Alejo Vargas, professor da Universidade Nacional: "Podemos dizer que, embora se tenha debilitado a coalizão de governo, os apoios à paz se mantêm amplamente majoritários e, portanto, há governabilidade para a paz".
O debilitamento da coalizão governista, em todo o caso, envia um sinal de alerta. O partido do presidente Santos perdeu sete cadeiras no Senado, ainda que mantenha a maioria relativa (e até absoluta, se se considerar também os que fazem parte da coalizão que o apoia).
O "El Espectador" avalia que o pleito "manda uma mensagem a Havana, de que a credibilidade do que lá se negocia não é tão forte, de que se deve avançar seriamente para convencer mais colombianos, de que o país não está disposto a dilações ou a acordos que não venham a ser inclusivos".
A façanha de Uribe de conseguir 19 senadores (incluindo ele próprio) com um partido improvisado e uma lista de nomes pouco conhecidos porá mais pimenta nos debates no Congresso, o principal dos quais tende a ser em torno do chamado Marco Jurídico para a Paz, que desenha um modelo de justiça de transição. Concretamente: trata-se de discutir qual o grau de impunidade que se dará aos guerrilheiros para que se incorporem ao processo político.
Uribe é violentamente contra a impunidade, mas, se houver punições a todos, inclusive aos líderes guerrilheiros, é pouco provável que eles aceitem um acordo de paz.
O resultado eleitoral não elimina esse dilema porque, se a maioria é favorável ao processo em si, não quer dizer que ela será idêntica quando se conhecerem na totalidade os resultados da negociação. A paz, portanto, ganhou uma primeira batalha, mas, como previne "El Espectador", "um acordo de paz não é fácil".
Folha, 11.03.2014
www.abraao.com


www.abraao.com